23 fevereiro 2015

Praticando o desapego


Quando eu estava com 15 anos fiz uma blusa simples sem moldar antes em papel.

Usei como modelo uma blusa de minha mãe que foi colocada sobre o tecido e riscada diretamente.

Foi a 1ª vez que costurei roupa para mim pois antes só costurava roupinhas para minha boneca que brinquei até os 14 anos e não tenho vergonha alguma em afirmar isso.



Esta foi a 1ª blusa que fiz.
Ela tem uma história dramática (no passado) e engraçada (no presente).


Antes fôra uma bela saia godê, como se sabe são extremamente rodadas. Foi presente de minha mãe, adorava a saia, porém havia um problema. Quando saía com ela, algumas vezes, ficava constrangida. 

Se havia ventania tinha que segurá-la pois esvoaçava. E como esvoaçava!! por TODOS os lados! Eu com minhas duas mãos adolescentes não conseguia segurá-la na mesma velocidade com que a saia se levantava com o vento. Sempre saía com alguma amiga e portanto, nesses momentos, contava com ajuda para segurar a saia. Depois ríamos juntas afinal adolescentes riem à toa!!

Quando minha saia esvoaçava, lembrava de Marylin Monroe
na clássica cena de um filme para lá de chato (segundo eu):


"O pecado mora ao lado"
filme americano de 1955

 

A minha saia fazia exatamente isso (só não era plissada como a da Marylin) até que decidi não usá-la mais após passar o maior vexame da minha vida.

Sábado, um lindo fim de tarde ensolarado de Outono e eu voltava para casa. Estava caminhando os últimos metros que me distanciavam da casa de meus pais situada numa rua muito tranqüila de São Paulo e onde os vizinhos se conheciam a anos e costumavam sentar na entrada de casa para conversarem. Sómente mais seis ou sete casas adiante e, logo, eu  estaria abrindo o portãozinho azul de casa.

Aos finais de semana, muitos rapazes ficavam na rua. Eram tão adolescentes quanto eu, uns jogando futebol no largo, outros empinando pipa na pequena praça defronte o largo ou andando de bicicleta. 

Eu, tímida adolescente, obrigatóriamente tinha que passar por entre os dois grupos antes de chegar em minha casa.

Pois, justamente nessa hora bateu aquele vento, mas aquele senhor vento que vinha de norte a sul, de leste a oeste. De cima para baixo, de baixo para cima! Incrível e esquisito! bem naquela hora tinha que acontecer?!

Pois é...a Lei de Murphy existe e é uma ciência exata!


http://ryotiras.com
Imaginem! euzinha....uma garota sózinha, jogou ao chão o que tinha nas mãos para segurar a tal da saia esvoaçante. Tentava segurar de tudo quanto era lado com apenas as 2 mãos (lógico!!) enquanto os garotos zoavam em volta de mim, assobiando, rindo, falando coisas que eu não entendia pois falavam juntos e riam ao mesmo tempo. Aquela balbúrdia!! 

Estava "morta" de vergonha, sequer levantava os olhos para encará-los. Assim que pude, corri para casa ainda segurando a saia. As coisas caídas ficaram no chão. Depois, à noite, um dos rapazes entregou para meu pai.

Chega! Basta!

Ao chegar em casa, estava com muita raiva, fechei-me no meu quarto e chorei (aqueles dramas de adolescente, sabe?) com o rosto enterrado no travesseiro. 

Minha mãe logo apareceu, preocupada, aflita, querendo conversar, saber o que havia acontecido comigo. Entre soluços e lágrimas contei tudo a ela.

mãe abraçando e acalma a filha deprimida - Imagem Stock: 39204563
http://pt.depositphotos.com/
Disse que não queria mais a saia que ela havia me dado de presente e que gostava tanto de usar! que nunca mais sairia de casa por causa da tamanha vergonha que sentia. 


Ela me abraçou e sugeriu desmanchar a saia. Pedi para ela fazer uma blusa bem bonita para mim. Pensava que ela faria mas a mãe conhecendo bem a filha, sabia que eu gostava de costurar e para me animar disse para eu fazer a blusa enquanto ela me ajudaria.

Minha mãe saiu por um breve instante, voltou com uma tesoura. Detalhista como sempre foi, ensinou-me a desmanchar as linhas das costuras sem afetar nenhuma fibra do tecido. Sem titubear, peguei a tesoura e ainda com um pouco de raiva desmanchei ponto a ponto, sem dó, todas as costuras da saia. Foi uma catarse!! acalmou-me completamente.

Enquanto desmanchava, minha mãe escolhia, nas gavetas dela, uma blusa simples que serviu de molde para riscar sobre o tecido da saia recém desmanchada. Já havia em mim o desejo de costurar e a saia acabou sendo a oportunidade para arriscar-me além das roupas de bonecas.

Sim, tive ajuda da minha mãe, na medida do possível, pois ela não sabia (não sabe) costurar nada. Aliás, ela sabia bordar muito bem e caprichosamente os lindos bordados da Ilha da Madeira (terra de meus pais) em barrados de lençois e fronhas. 

Enfim, a blusa ficou pronta!



De lá para cá, se passaram dezenas de anos. Usei-a muitas vezes, vivemos juntas muitas histórias inclusive a de meu 1º emprego aos recém 17 anos, esteve comigo nos tempos de faculdade, passeamos, namoramos, viajamos juntas e tantas outras fases de minha vida, inclusive depois de casada.

Não a uso mais, estava guardada na gaveta a mais de 2 anos, a gola na parte interna está bem desgastada.


Não creio que valha a pena restaurá-la. Não quero usar a blusa porém não quero desfazer-me. E agora? 

E a resposta veio rápida....

phdesapego
https://www.glambox.com.br/Revista/Ler/1081/Desapega


Desapegar! Desapegar! Desapegar!
Combina com R-E-C-I-C-L-A-R!
Isso mesmo, eis a solução!



 Ao contrário da saia, desmancharei a blusa com agradecimento afinal estarei reciclando o lindo tecido em outra coisa que ainda não sei o que será mas, com certeza, continuará junto comigo em outras novas aventuras.


Desapegar e Reciclar. 
Dois verbos a conjugar!


E você, o que tem para desapegar?





15 comentários:

  1. Gostei da resolução, não usa, há que reciclar, boa amiga, beijo

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    1. Mira

      E naquela época nem se falava em reciclar como se fala tanto nos dias atuais.
      Obrigada por sua visita.

      Bjs

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  2. you have so inspirational blog,amazing pics,GREAT JOB!
    let me know if you want to follow each other :)
    I will follow you back with a big pleasure for keep in touch
    have an amazing day
    big hug my new friend :)

    ResponderExcluir
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    1. Olá, Ines

      Agradeço por sua visita e já fui dar uma olhada no seu blog.
      Assuntos bem diversificados e interessantes.
      Tornei-me sua seguidora.

      Bjs

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  3. lindooo,adorei sua história,
    e sua mãe que super companheira (invejinha,mas boa tá?)
    minha mãe nunca me incentivou pra costura ,mesmo ela sabendo.
    Ela morre de ciúmes da máquina dela até hj,haha,acabei por aprender sozinha e depois de casada alguns anos
    fui fazer um curso de corte e costura.

    Bjãooo

    Mônica

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  4. Mônica

    Mulheres costumam ser ciumentas mesmo. No caso de sua mãe que sabe costurar então é comum ter ciúmes da máquina de costura dela. A minha mãe não sabia costurar e não se interessava mas tinha a máquina. Como ela não usava, não houve vínculo entre ela e a máquina.
    Mas fosse eu mexer nas linhas de seda e agulhas de bordar.....ela era super ciumenta!!

    Bjs

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  5. Que texto tão lindo! Gostei muito!
    Eu sou desapegada, não conservo bens materiais, só mesmo os essenciais... sou apegada e muito: a sentimentos, a lembranças, a afetos...
    Percebo o carinho que tem pela blusa, mas de certo lhe dará novas emoções, novas alegrias, numa nova peça que tão carinhosamente, fará... fico no aguardo! Boa sorte! :)

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  6. Oi Fatinha!
    Que delícia de história essa sua saia rendeu, heim?! Eu tbm tenho um pedaço de tecido aqui em casa que já foi blusa da minha mãe e saia para mim quando criança, o tecido é lindo igual ao seu, tbm estou pensando o que fazer com o meu agora.rsrs.
    Fernando Pessoa tem razão, desapegar-se é renovar!

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    1. E como essa saia rendeu, Juliana!! Estou pensando em colocar o tecido em uma almofada, fazendo patchwork e mesmo assim sobrará tecido p/mais algumas outras coisas.

      Sou curiosa!! já quero saber o que vc fará com os seu. Estarei te acompanhando.

      Grata pela visita.

      Bjs

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  7. Que história, Fatinha!... Essa pode ser uma metáfora da vida: transformar momentos difíceis (adolescência é um momento pra lá de difícil...) em coisas novas e cheias de energia boas.
    Eu tenho uma saia godê curta que quase me deu um susto outro dia!...rsrs... Agora, só uso quando vou ficar em lugares fechados.
    E que maravilha um tecido de tão boa qualidade que atravessa anos, carregando memórias e possibilidades de transformação! É uma pena que tecidos de hoje em dia nem sempre tenham uma qualidade assim...
    Bjs e ótimo final de semana pra vc,

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  8. Que post fantástico, divertido, inspirador! Adorei a comparação com a Marilyn, minha Nana enfrentou outro dia a mesma situação no metrô, acompanhada pelo namorado... Foi constrangedor, também um drama adolescente - ainda bem que a gente cresce e supera. Já a minha Lola sempre usa um shortinho por baixo nesses casos, diz que não gosta de dar moleza prá Lei de Murphy...

    Quanto à blusa, que linda! Prá uma primeira tentativa me deixou no chinelo, já mostrava um talento enorme prás artes das agulhas - e com tão pouca idade...

    Ainda gosto de bonecas hoje em dia - e dormi com uma boneca até os 20 anos. Acalmava meu pai me ver com bonecas, ele era muito ciumento e eu - confesso - usava a boneca como desculpa...

    Beijos!

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  9. Grande Fatinha! Grande Fernando Pessoa! E aquelas pessoas que não aceitam envelhecer, então? se apegam tanto ao corpo jovem. Vê algumas celebridades? que triste.
    Beijos

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    1. Olá, Helena

      Adoro ler Fernando Pessoa, assim como Mário Quintana, Cecília Meireles e Carlos Drummond de Andrade. Ao lê-los, minha mente descansa.
      É..o apego...ocorre sem que percebamos e acaba sendo confundido com o verdadeiro amor.

      Obrigada por sua visita.

      Bjs

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  10. Encontrei a história!! :D
    Sei bem como é, sempre amei godê e já passei por poucas e boas, agora faço eles com tecidos mais pesados, mas dependendo do vento, nem assim hahahaha
    Beijos

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